Conselho Municipal de Educação: potencialidades e limites na construção de uma educação democrática.

Conselho Municipal de Educação: potencialidades e limites na construção de uma educação democrática.

Alzira Batalha Alcântara (UERJ / UNESA)

            Após longos anos de repressão e censura, o arrefecimento da ditadura militar proporcionava à sociedade o direito de sonhar, de alçar vôos. Nos anos 80, o período de transição trouxe a esperança da construção de um novo tempo. Fomos às ruas e gritamos por “diretas já”. O congresso derrotou a emenda Dante de Oliveira e revelava o seu conservadorismo. Eleições ainda indiretas! Mas não importava. As multidões já tomavam as ruas. O medo se recolhia, o ousar se impunha cada vez mais. Em 05 de outubro de 1988, Ulysses Guimarães apresentava ao país a “Constituição Cidadã”.
          A Carta de 88 foi o marco inicial da chamada “Nova República”, período em que recuperávamos nossos direitos civis, políticos e lutávamos para ampliar os direitos sociais. Direitos básicos da cidadania como a liberdade de expressão, o exercício do voto em diferentes instâncias e a ampliação de nossos direitos sociais, como o direito à educação, saúde, entre tantos outros, ainda hoje tímidos. Enfim, vislumbrava-se a construção de uma sociedade democrática com a participação dos setores organizados em busca de uma justiça social.
           Com esta perspectiva, vale ressaltar que a CF/88 lançou as bases para a criação de diferentes mecanismos que possibilitam a participação destes setores organizados na construção das políticas. Os conselhos, seja na área da educação, saúde, meio ambiente ou outra, traduzem este espírito. Ademais, cabe destacar que, independente dos debates jurídicos e políticos em torno da pertinência ou não do município ser considerado um ente federativo, é fato que o município, ao ter obtido uma maior autonomia administrativa, teve um horizonte de possibilidades nunca antes experimentado. Tal autonomia se expressa, especialmente, no campo educacional com a alternativa de se construir um sistema municipal de educação.
            Muitos municípios tinham, de fato, um sistema de ensino mas não de direito, pois não podia estabelecer normas pedagógicas. A nova Carta reverteu esta situação. Para alguns, proporcionou uma chance de se edificar uma educação sintonizada com as reais necessidades da maioria da população ao possibilitar a organização de um sistema municipal. Anísio Teixeira era um árduo defensor da descentralização educacional. Importa ressaltar que descentralizar, na visão de Anísio, implicava autonomia local com uma efetiva participação da comunidade nos rumos da política educacional. 
           O que significa criar um sistema municipal de educação? Implica dar voz ao município. Mais do que isso, o município, ao fazer esta opção, tem um sistema administrativo próprio em que pode e deve traçar suas normas de organização e funcionamento, desde que não ignore, obviamente, a hierarquia do arcabouço legal.
Respeitar, entretanto, é diferente de ser submisso. Há uma autonomia, ainda que relativa, que não deve ser ignorada. O município ganha efetivamente um espaço para pensar, propor regras e agir em sintonia com as especificidades locais. A CF, no seu artigo 18, estatui que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o DF e os Municípios. A LDB, por sua vez, em seu artigo 11, estabelece que cabe as municípios, entre outras atribuições, baixar normas complementares para o seu sistema de ensino como também autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos do seu sistema. 
             Portanto, defrontamo-nos com um novo arranjo político que pode ser uma bela conquista. Todavia, será que temos consciência do real significado desta autonomia local? Esta conquista envolve pelo menos duas dimensões: uma política e outra técnica. Ou seja, tal conquista só se efetivará se tivermos clareza da importância política desta autonomia, podendo ser a base de uma cidadania participativa em detrimento de relações autoritárias, típicas e muito usuais no passado mas ainda reinantes, embora em menor peso. Devemos, igualmente, buscar uma competência técnica. Esta competência, contudo, não ocorre de forma espontânea. Uma competência técnica exige tempo, estudo, organização e trabalho.
                  No campo da educação o Conselho Municipal desempenha – ou deveria desempenhar – um papel absolutamente essencial, pois é - ou deveria ser – o órgão regulador do seu sistema de ensino. Entretanto, não é um órgão regulador qualquer, pois nele devem estar representados o governo, mas também a sociedade civil organizada. Portanto, é um mecanismo que pode dar voz e vez à comunidade desde que esta se organize. Ou seja, há uma potencialidade de se construir uma cidadania participativa, algo muito recente na história do nosso país.  
                  No campo das atribuições, cabe ao CME normatizar, isto é, estabelecer
regras que devem ser observadas no sistema sob sua jurisdição. Aliás, vale ressaltar que a lei que cria o CME dá a amplitude de sua ação, porém, muitas vezes, de forma genérica. Será o regimento interno que deve apresentar, de forma clara e detalhada,  as diferentes funções que competem ao CME, como também os critérios para a eleição dos seus conselheiros, a forma de trabalho – remunerado ou não - e o período do mandato. Por exemplo, aqui em Duque de Caxias, o conselheiro representante da sociedade civil deve estar vinculado a entidades ou associações de classe que atuam na educação. Parece algo óbvio, mas não é. Pesquisas demonstram que temos em nosso país Conselhos com composição muito diversificada. A título de ilustração, nos anos 90, o CME do município baiano de Paripiranga comportava conselheiros de Liga Desportiva, de associações rurais, comerciais e até do Banco do Brasil. Ou seja, entidades totalmente alheias ao campo educacional. Como tais conselheiros poderiam contribuir num CME? Para o pesquisador Wanderley Ribeiro1, tal prática refletia a presença ainda forte do clientelismo, das velhas práticas de troca de favores, o que é no mínimo lamentável.
                Assim, importa frisar que é o regimento que determina os critérios que nortearão a composição e as funções do CME. Contudo, nunca é demais lembrar que o regimento não e algo sagrado, intocável. Ele é feito por homens e mulheres. Sendo assim, o regimento comporta equívocos ou omissões que permitem distorções na composição ou mesmo nas atribuições dadas ao CME. Ou seja, um regimento que permita distorções deve ser alterado. Para tanto, faz-se necessária uma competência política e técnica. Bem, dentre as competências mais usuais, compete ao CME as funções consultiva, deliberativa e fiscalizadora, além da normativa, recém-citada. Na função consultiva, o CME deve responder a indagações, elucidar dúvidas sobre questões atinentes à educação. É uma ótima oportunidade para o CME dar visibilidade do seu trabalho e prestar um serviço, de forma mais direta, à comunidade. Na função deliberativa, o CME deve decidir questões submetidas à sua apreciação e na fiscalizadora acompanhar o cumprimento das normas educacionais em seu sistema de ensino.
               Considerando que o maior objetivo da constituição do sistema de ensino municipal e do próprio Conselho reside no desafio de melhorar a qualidade de educação, cabe agregar mais uma atribuição ao CME: a função propositiva. O CME, pela sua própria composição, tem a potencialidade de conhecer os diferentes desafios educacionais presentes na esfera local. Para tanto, faz-se necessário ouvir atentamente as múltiplas vozes que compõem o CME. Ou seja, possui maiores chances de elaborar um diagnóstico mais fidedigno e não algo meramente formal. Ao conhecer a realidade e as raízes de seus problemas, pode propor ações contundentes com o fito de enfrentar problemas que teimam em rasgar o tempo. Neste viés propositivo, o CME não seria um mero braço da SME, um simples órgão executor das decisões tomadas a sua revelia. Ao contrário, nesta função propositiva, o CME e a SME traçariam juntos os rumos da política educacional na esfera municipal. O CME daria espaço para a comunidade se fazer presente e a SME teria uma oportunidade ímpar de construir uma política com legitimidade dada pela própria comunidade local. Ou seja, poderíamos estar dando os primeiros passos para uma sociedade mais justa, do ponto de vista da conquista de direitos sociais básicos, como a garantia de uma educação qualitativa.
                     No entanto, muitos municípios ainda não consolidaram os seus Conselhos. Há, no entanto, Conselhos que existem apenas do ponto de vista institucional, são Conselhos que existem formalmente. Estes, muitas vezes, só têm conselheiros governamentais. Outros até possuem representantes da sociedade civil, mas seus conselheiros não foram eleitos em suas bases e sim escolhidos pelo executivo local. Outros Conselhos apresentam avanços seja na composição plural e democrática de seus conselheiros ou mesmo no desempenho de suas funções. Reúnem-se periodicamente, emitem pareceres, autorizam o funcionamento de uma dada instituição escolar, mas desenvolvem um trabalho pouco significativo, pois falta-lhe organicidade. Um CME que ainda não se percebe como sujeito construtor da política educacional. Portanto, apresenta um trabalho frágil, pois está ainda muito aquém das suas potencialidades. Estas existem, mas estão latentes.
                        Quais têm sido os maiores empecilhos para o fortalecimento de um CME? O que ainda lhe falta para que ele possa ser partícipe na construção da política educacional? Há dificuldades de ordens distintas. Gostaria de destacar três, que considero essenciais. Uma é a necessidade de que o CME tenha dotação orçamentária independente, que assegure ao CME a manutenção de uma estrutura mínima, isto é, recursos humanos, materiais e financeiros. Afinal, como existir um Conselho sem uma eficiente secretária executiva? E um atendente que possa atender o público e agendar encontros ou mesmo dar informações básicas? Como funcionar sem um local que tenha pelo menos mesa, telefone, computador? Se não há verbas, como agendar visitas regulares aos estabelecimentos de ensino? Ou como fazer um sério diagnóstico da realidade educacional? Ou ainda, como contratar um especialista, ainda que esporadicamente, para elucidar questões pontuais ou para organizar cursos de formação? Um CME sem dotação orçamentária não tem vida própria, pois dependerá da boa vontade da SME.
                      Outro empecilho é a formação de seus conselheiros. Há municípios, como Catu/ BA, que exigia um percentual mínimo de conselheiros com formação superior. Mas será esta a saída? Não creio. Primeiro porque possuir o ensino superior não garante a aquisição do conhecimento necessário para atuar como conselheiro. Além disso, alguns segmentos, como estudantes, pais, poderiam estar cerceados ou numa
situação incômoda. Considero que deve haver uma preocupação com a formação contínua dos conselheiros, sejam eles da sociedade civil ou mesmo do governo. Segundo o pesquisador Wanderley Ribeiro, a Secretária Municipal de Educação de Caetité informara que naquele município havia um CME. O pesquisador, contudo, constatou que o município possuía exclusivamente Conselho do Fundef. Ora, se a própria Secretária desconhece o que é CME, o que esperar dos demais trabalhadores desta SME? Cursos de formação são, portanto, necessários. Afinal, há procedimentos que devem ser aprendidos e um arcabouço legal que deve ser estudado e debatido por todos.
                         O terceiro empecilho é de ordem política. De um lado, o grau de organização e representatividade dos conselheiros da sociedade civil possibilita a estes uma inserção mais responsável e madura. De outro, a visão política da SME pode estimular o fortalecimento do CME ou criar todo tipo de dificuldade. Ou seja, não podemos esquecer que o CME é uma arena de disputa política. Assim sendo, se a
sociedade for mais organizada e ciente dos seus direitos, o CME tenderá a ter maiores chances de ser um órgão de relevância política, como a pesquisadora Vera Peroni2 nos mostra em relação aos CME do estado do Rio Grande do Sul. Caso contrário, dependerá da visão política do executivo local. Ou seja, o CME fica refém da visão política hegemônica de sua localidade. Até quando esperaremos salvadores da pátria? Já não é hora de arregaçarmos as mangas e construirmos uma educação crítica e criativa, voltada aos reais interesses da maioria da população? 
                     Por último, cabe indagar o significado do PAR / Plano de Ações Articuladas que os municípios apresentaram ao governo federal. As respostas encontram-se disponíveis no site do MEC. Dos 92 municípios do estado do RJ, 78% apresentaram uma pontuação satisfatória (pontuação 3 ou 4) em relação ao CME. Apenas 19% indicaram um CME insatisfatório ou inexistente (pontuação 1 ou 2) e 3% não avaliaram o CME. Os números revelam alta organização do CME no estado do Rio de Janeiro. Será esta a realidade ou é mera retórica apresentada ao MEC? Se for o primeiro caso, há uma dissonância entre as respostas do PAR com a realidade da UNCME/RJ, tendo em vista que nem possui um estatuto. Se for o segundo, temos que trabalhar muito para reverter o quadro. Seja o primeiro ou o segundo, vamos ao debate para que seja construído o estatuto da UNCME/RJ. Afinal, o Rio de Janeiro está sedento por direitos sociais. 
Desejo a todos um bom trabalho. Obrigada.

1 RIBEIRO, Wanderley. Municipalização: Os Conselhos Municipais de Educação. Rio de Janeiro:
DP&A, 2004.2 PERONI, Vera. Política Educacional e papel do Estado: no Brasil dos anos 1990. São Paulo: Xamã,
2003.
2 PERONI, Vera. Política Educacional e papel do Estado: no Brasil dos anos 1990. São Paulo: Xamã,
2003.

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